(Crônica publicada originalmente em blog interno do Banco do Brasil, em 29/12/2011)
Luis Cláudio abriu o pequeno papel e leu o nome sorteado. Um
sentimento confuso, misto de alegria, decepção, um pouco de confusão…
Não saberia dizer exatamente o que sentia.
Esperara sortear algum nome conhecido, seria mais fácil presentear.
Sempre detestou a saída fácil dos vale-presentes. Achava-os como um
sinal de pouco-caso para com o presenteado, algo como “eu paguei o seu
presente, agora o problema é seu em escolhê-lo”. Mas agora, a situação
não era a esperada.
Olhou novamente o pequeno pedaço de papel, mas o nome não mudou. Ana.
Não sabia bem o que pensar. Aliás, pouco sabia sobre ela. Tentou
repassar os fatos que conhecia.
Ana havia chegado na agência fazia coisa de três meses. Vinha do norte
do país, após separar-se do marido. Reservada, pouco falava de sua vida
pessoal, e nunca saia com o pessoal para as comemorações de aniversário e
happy hours que algum colega eventualmente inventava. Sua pele morena,
com os traços visivelmente declarando sua
origem indígena chamavam a atenção, bem como sua voz rouca, com um
sotaque diferente, e bastante carregado. Isto era tudo que Luis Cláudio
sabia sobre ela. Nada que ajudasse a escolher-lhe um bom presente…
Além disto, havia uma outra questão: o mais gostoso do amigo secreto é a
brincadeira, a troca de bilhetes antes do dia de trocar o presente.
Nada mais sem-graça e fora do espírito que aquelas pessoas que
simplesmente ficam quietas e, no último dia, trazem apenas um pacote,
que entregam ao seu sorteado e fim. E não era, definitivamente, o que
ele queria…
A abordagem escolhida foi um tanto ousada, talvez. Mas Luis Cláudio
nunca foi exatamente um tímido, então não veria problemas em sustentar,
na revelação, a brincadeira que estava iniciando…
. . .
Ana releu com um soriso o primeiro bilhete recebido, um galanteio
delicado, escrito em um linguajar antigo, mais do que fora de moda. A
assinatura combinava com o texto: D’Artagnan.
Respondeu ao galanteio mais ou menos no mesmo tom, divertindo-se em fazê-lo. E passou a aguardar ansiosa o que mais viria…
. . .
Os bilhetes se sucederam, as trocas entre os dois eram sempre mais
que diárias. Ana ainda tentava ficar de olho na caixa de bilhetes,
tentando perceber quem ia à mesma com tanta frequência como ela. Sem
quyalquer resultado, uma vez que Luis Cláudio desdobrava-se em
criatividade para que ninguém pudesse perceber suas frequentes idas à
caixa.
A partir do próprio estilo do texto dos bilhetes, os galanteios e
brincadeiras foram tornando-se dia a dia mais ousados. “Espada” e
“mosquete” proporcionaram duplos sentidos que não foram tão rejeitados
assim, contribuindo para aumentar, ainda que cuidadosamente, a ousadia
de seu autor.
. . .
Ana chegou a pensar em dar um corte quando os galanteios começaram a
ousar mais. Mas, por outro lado, estava tão bom sentir-se alvo de
atenções, sentir-se desejada… Mesmo que fosse apenas uma brincadeira…
Optou por deixar seguirem, apenas tendo um cuidado maior nas respostas.
Um pouco de trabalho extra, mas que certamente valia a pena. Isto seria
importante, para que, na revelação, pudesse cortar qualquer iniciativa
mais ousada, se fosse algum colega mais saidinho. Especialmente se fosse
algum colega casado, pensando em alguma aventura.
. . .
Finalmente chegou a sexta-feira da festa! Jantar à noite, em local
devidamente contratado para o evento. Ana já havia passado toda a semana
pensando em como se vestiria, como se arrumaria. Sua primeira festa
aqui, estava preocupada. Achava que a roupa não poderia ser sóbria
demais, mas também não poderia parecer “atirada”. Acabou optando por um
vestido amarelo-claro, sem mangas, que lhe realçava a cor da pele. Na
sua visão, um meio-termo entre a ousadia e o formalismo.
. . .
Ao ver Ana entrar na festa, pela primeira vez desde que começou com a
brincadeira, Luis Cláudio sentiu um arrepio de nervosismo a
percorrer-lhe a espinha. Achou-a mais linda que nunca. Será que não
teria ido longe demais com a brincadeira? Qualquer passo em falso,
qualquer palavra que ela não gostasse, e poderia ser grande a chance de
ele virar o palhaço da festa…
. . .
À medida que o amigo secreto prosseguia, Ana ficava apreensiva. Os
palpites que imaginara estavam todos se esgotando. Por sugestão de
algum colega, a brincadeira fora invertida. Cada pessoa tinha três
tentativas de adivinhar quem a sorteou, se não acertasse, pagaria o mico
de dançar “Conga, Conga, Conga”. Ela já se preparava psicológicamente
para a dança.
O sorteado por Ana não acertou seu nome e, após o pagamento do castigo, ela avançou e entregou-lhe o presente. Era agora…
Passou os olhos pelos presentes. Mais da metade já havia sido revelada, o
que poderia facilitar as coisas. Havia mais homens que mulheres na
brincadeira, então ela poderia eliminar todas as mulheres que faltavam.
Os homens que faltavam eram, como ela temia, todos casados, exceto…
- Luis Cláudio!
O assombro, apesar de generalizado, foi muito mais visível na
expressão de seu amigo secreto. Luis Cláudio avançou para o ponto onde
ela estava, entregando-lhe o presente. Discretamente, durante o beijo de
praxe, perguntou a Ana:
- Como descobriu?
Ana limitou-se a sorrir e afastar-se dele, mantendo a curiosidade,
por enquanto… Luis Cláudio procurou rapidamente seguir adiante com a
brincadeira, mas acabou também tendo de pagar a dança, para seu
desespero. Tão logo se livrou, correu até onde Ana estava, e repetiu a
pergunta:
- Como?
- Simples! Olhei para quem faltava e, entre eles, escolhi quem eu esperava que fosse. Dei sorte!
- Sorte dei eu, em tirar você! Espero que não tenha sido muito ofensivo na minha brincadeira…
Ana riu:
- Um pouco, sim. No começo, cheguei a pensar em reclamar, mas deixei
para lá, afinal não era nada assim tão grave, e somos todos adultos…
A conversa continuou. Desde que começaram a trabalhar juntos, era a
primeira vez, de fato, que poderiam saber um pouco mais um do outro.
Descartar ideias pré-concebidas, da maneira que apenas conversando se
pode descartar. Quando foi servido o jantar, procuraram sentar-se
juntos, e continuar o assunto.
Ao final da noite, Luis Cláudio acompanhou-a até o carro dela.
Despediram-se, ainda um beijo no rosto, mas um abraço um pouco mais
demorado.
E a certeza de que o melhor presente de amigo secreto que ambos haviam ganho não era o objeto em suas mãos…