(Crônica originalmente publicada em blog interno do Banco do Brasil em 25/10/2011)
Sem abrir os olhos, estica o braço para o celular, tateia e aperta o
botão que lhe daria mais 10 minutos de sono. Antes, porém, que volte a
tocar, levanta-se, para iniciar o cumprimento da rotina diária.
Banho tomado, dentes e cabelos escovados, a roupa separada
cuidadosamente na véspera vestida, e ganha a rua, comendo um pedaço de
pão. Se fosse parar para tomar café, perderia o ônibus.
Mal chega ao ponto, já lotado, começa a chuva. Tenta abrigar-se de algum
modo na porta do bar, maldizendo o dinheiro gasto na escova perdida. A
roupa, escolhida e preparada com tanto cuidado, que se molhou toda,
acaba de ficar estragada quando chega o ônibus e a multidão se aglomera,
tentando todos entrar sem fechar seus guarda-chuvas, numa clara
tentativa de desafiar a lei física que diz que dois corpos não podem
ocupar o mesmo lugar no espaço, ao mesmo tempo.
Vai sendo conduzida, pela pressão do movimento das pessoas, até o
ponto crucial em que seria obrigada a passar a catraca, para não ser
esmagada, mas ao mesmo tempo é impossível girá-la, tamanha a quantidade
de pessoas que já se espreme do outro lado.
Quarenta e cinco longos minutos depois, o ônibus chega à estação do
metrô. Ela quase não precisa fazer esforço para seguir o caminho, tão
compacta está a multidão que deixa o coletivo. Lembra-se de uma
propaganda de goma de mascar, e quase deseja que fosse, mesmo, possível
simplesmente levantar os pés e se deixar levar, como a propaganda
mostrava. No caminho para o embarque, na estação, a situação melhora um
pouco. Ao menos todos estão um pouco mais espaçados, pode respirar
enquanto anda. Na plataforma, precisa esperar o quarto trem que passa,
para conseguir embarcar, tão espremida como no ônibus.
Finalmente chega ao trabalho. Corre a vestir o uniforme, está quase na
hora da loja abrir, e pobre dela se não estiver a postos e sorridente
quando isto acontecer. Ainda que o sorriso não vá durar muito tempo…
O movimento do dia está mais fraco que o normal. É fim de mês, todo
mundo sem dinheiro e, para piorar, a chuva. Mesmo os corredores do
shopping estão vazios. Sabe que o dia custará a passar. Dia parado é
assim, duplamente ruim. Além de demorado, não rende muita coisa em
vendas, vai ter de se desdobrar em outros dias para cumprir a quota.
A manhã termina de se arrastar. Pega a marmita na bolsa e vai para o
refeitório do Shopping, para o almoço cujo cardápio nunca varia.
A manhã parada foi ruim por mais um motivo: enquanto organizava as
roupas nas prateleiras da loja, teve tempo de pensar. E de lembrar-se.
Fazia tempo que o namoro com o Eduardo terminou. Ele seguiu a vida dele,
ela não consegue seguir adiante com a dela. Algumas ficadas, quando
consegue ir a uma balada, nada sério. Por muito tempo, chegou a esperar
que ele voltasse. Mas nunca voltou.
Uma pequena caminhada, depois de comer, pelos corredores do shopping.
A melhor opção para completar sua hora, se voltasse à loja, teria de
voltar a trabalhar imediatamente, não valeria a pena. Gosta quando
encontra alguma colega, para caminharem juntas. Não foi o caso, hoje.
Mas parece ser sempre assim, dia que começa ruim, acaba pior.
Durante a tarde, ao menos consegue vender um pouco mais. Não é o melhor
dos dias, mas ao menos não vai ficar tanto prejuízo para correr atrás
nos últimos dias do mês. Até compensou ficar um pouquinho depois do
horário, a última venda que fez, até que foi bastante boa.
E agora começa a pior hora do dia, a volta para casa. Se pela manhã
parecia impossível ônibus e metrô mais cheios do que os que ela
enfrentou, na volta o impossível se desmente.
Sempre pensa que seria bom conseguir um emprego mais perto de casa, mas
sabe que as opções que teria não são das melhores. E conseguir morar
mais perto do trabalho, não tem jeito. Então, se não tem como resolver, o
negócio é aceitar…
Chega em casa, mais exausta da volta que do dia trabalhado. Banho,
jantar, assistindo à novela, um pouco de conversa com a mãe, que sempre
quer saber das novidades que não existem. Prepara a marmita para o dia
seguinte, arroz, bife, ovo e verdura. O truque é não colocar feijão,
para não azedar. Checa, mais uma vez, a hora de levantar-se, no celular,
e vai dormir.
Amanhã, vai começar tudo de novo. A mesma rotina. Os mesmos passos.
Mas quem sabe aparece a chance de conversar com aquele rapaz novo e bonitinho da loja de sapatos?
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